E o que vos posso eu dizer sobre esta prova? Que desisti.
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Depois da Maratona de Longford comecei a preparar a do Porto e foram três meses de muito treino, de muito sacrifício, algumas dores, de resultados que teimaram a aparecer, de expectativas, enfim, de tudo o que implica a preparação para esta distância. E eu, que nestas coisas até sou beta-que-dói e cumpro 95% que o treinador manda (sendo que os restantes 5% são uma espécie de erro para chocolates, TPM, colegas que oferecem chocolates, dias de chuva torrencial, chocolates que aparecem na gaveta do trabalho, idas à osteopata e que obrigam a paragens de 3 dias, etc), tive mesmo de interromper a prova.
No inicio colei-me à lebre referente ao meu tempo e por aí fui sempre com ela debaixo de olho. O ritmo estava bem encaixado, sem forçar muito (mas também não ia a comer gelados...) e sempre a fugir para as bermas da estrada de forma a desviar-me da multidão e acompanhar o balão. Até que aos 5km comecei a sentir uma dor nas costelas, uma dor que conheci 4 semanas antes da prova e que me obrigou então a uma visita à osteopata. Ela fez o que tinha a fazer e não voltei a sentir dor, até àquele momento. A partir de então, foi um constante dialogo dentro de mim, a avaliar as hipóteses de continuar a seguir o balão, descer o ritmo ou ficar por ali mesmo.
Quando cheguei ao km10, já mal conseguia respirar e a dor nas costelas propagou-se ao ombro e braço do mesmo lado. Nessa altura, encontrei o meu pai e o meu namorado (ambos a recuperar ritmo de treino após lesões graves) que, apesar de inscritos na Maratona, iam fazer cerca de 20km. Quando os encontrei e lhes contei o que se estava a passar, conseguiram replicar exactamente o que se passava dentro da minha cabeça: um dizia que se estava com muitas dores, não devia força e devia parar; o outro dizia para baixar o ritmo ao mínimo e terminar a prova. E foi aqui que comecei a ficar muito emocionada.
Desistir era a hipótese menos provável. Nunca o tinha feito antes e - achava eu - também não seria naquela. Como o meu pai ainda está com um ritmo de corrida muito baixo, o meu namorado decidiu acompanhar-me durante uns km para não ficar sozinha e apoiar-me até ganhar nova motivação. Esperámos pelo balão seguinte e lá fomos nós. Mas apesar do ritmo mais reduzido, apesar das tentativas dele para me distrair, a verdade é que a dor era cada vez mais intensa e dificuldade de respirar cada vez maior. Passei os 15km e precisei de parar durante mais uns instantes para conseguir controlar a dor.
Então tive de reconhecer o que era evidente... não conseguiria terminar a prova, nem tão pouco valeria apena continuar a sujeitar o corpo a tamanho sofrimento. Estava no km15 e decidi que o meu prémio de consolação seria pelo menos fazer a meia distância. Lá retomamos os dois a corrida, mas por esta altura já as lágrimas me escorriam pela cara abaixo... até que aos 17km parei, saí da estrada, sentei-me num banco do jardim e chorei.
O meu pai encontrou-nos e pedi-lhes para ficar sozinha. Precisava de recuperar, de pensar, de perceber o que tinha acontecido. Quando eles partiram, foi o descalabro... chorei muito, mas mesmo muito. Chorei tanto que pensei comigo "credo, até parece que morreu alguém!" e nem com auto-bullying a coisa acalmou. Estava absolutamente inconsolável. Estava bem, sem qualquer dor nas pernas, com resistência pulmonar, tinha o treino para fazer a minha marca, tinha a dieta e a hidratação, tinha o descanso necessário, tinha o corpo todo preparado para fazer a distância e um estúpido problema nos músculos intercostais foderam-me 2 meses de trabalho.
Chorei de dor, de frustração, de raiva. Chorei porque, pela primeira vez, tinha de enviar uma mensagem ao treinador a dizer "desisti", que o nosso trabalho das ultimas semanas morreu no 17ºkm. Chorei porque me dediquei tanto, cumpri tudo e sentia o corpo tão preparado e ali estava eu, sentada num banco de um jardim, completamente lavada em lágrimas, cheia de raiva por um problema absolutamente idiota! E então, veio uma senhora brasileira ter comigo. Perguntou-me se estava bem, se precisava de assistência médica, se estava sozinha, se precisava de comer, se queria que ligasse para alguém me vir buscar, se, se, se... Sorria-lhe para agradecer e chorava porque só queria chorar... E foi embora.
Depois veio uma outra senhora, com as mesmas questões e com as mesmas preocupações. Na mesma, sorri para agradecer, mas sempre com as lágrimas pela cara abaixo...
Depois um rapaz sentou-se no banco e pensei que fosse o meu namorado. Disse-me chamar-se Ricardo e que era da organização. As mesmas questões e as mesmas preocupações. Sorri e chorei.
Depois veio um senhor equipado e com dorsal da maratona. Em inglês perguntou-me de onde vinha e de seguida disse-me o seu nome (que não me lembro) e acrescentou que era holandês. Uma forte dor no joelho obrigou-o a desistir da maratona e acrescentou "there's always a next one".
A primeira senhora, a brasileira, voltou a aparecer junto de mim. Trazia um bolinho e ofereceu-me. E às tantas, já chorava de estar tão comovida com a gentileza dela e das outras três.
Levantei-me do banco e fui para o outro lado da estrada. Queria apanhar sol e ficar mais resguardada. Fiquei muito comovida com a reação das pessoas que me abordaram, mas o que queria era mesmo chorar sozinha, sem ninguém me ver.
Encostada a um muro de uma igreja, escondida por uns carros estacionados e sentir o sol a aquecer-me o corpo e alma, apareceu uma 5ª pessoa. Um senhor cujo nome não me recordo (acho que eles liam o meu nome do dorsal e talvez se sentissem impelidos de dizer os seus), mas com um sotaque que não escondia as origens tripeiras, dizia-me que ia batizar o sobrinho naquela igreja, que fez várias meias maratonas, que gostaria muito de fazer a maratona, que o Porto é muito lindo, etc. etc. Às tantas, já era eu que o incentivava a fazer a distância e fiquei, finalmente, mais calma.
Mas voltando ao inicio do texto, o que vos posso dizer da minha experiência do Porto? Que a minha prestação foi uma valente merda, mas que todos os momentos de agonia e desespero valeram por todo o carinho que recebi e pela grande lição de humildade que trouxe comigo. Para o ano há mais.
Permite-me retificar-te: a tua prestação não foi uma valente merda. Valente merda era não teres treinado e teres desistido por isso.
ResponderEliminarMas tu treinaste e o teres desistido foi por razões que não consegues controlar. Também já desisti de uma prova e sei como te sentes. Na minha primeira maratona, ao km 35, chorava enquanto caminhava e pensava que teria de desistir.
Acredito que te sintas frustrada por veres todo o teu trabalho árduo a ir "pelo cano abaixo", mas, no meu entender, e isto serve para mim, a preparação para esta distância, e tudo o que dela tiramos, é a melhor recompensa de todas.
Havemos de nos encontrar numa maratona, os dois em grande forma e a decidir quem chega em primeiro num velocíssimo e sorridente sprint final! :)
Boa recuperação e um grande beijinho!
Obrigada pelo carinho. E se não chegarmos juntos nessa maratona, espero que estejas na meta, já recuperado, à minha espera! :)
EliminarNa próxima será melhor e é nisso que te tens de focar ;)
ResponderEliminarBoa recuperação!
Sim, a próxima é sempre melhor que a anterior :)
EliminarOra vês? Quando se desiste (e quem nunca?) o importante é tirar a devida lição. Se é lesão ou dor, não há nada a fazer. É lamentar, fazer o luto e depois escolher um próximo desafio e treinar para ele.
ResponderEliminarQuanto ao apoio que te deram é também um exemplo que vale a pena estar na vida com disponibilidade para os outros. Mesmo os que não conhecemos. Ajudar, incentivar e apoiar o outro é um ato de uma riqueza e elevação tal... Quase parecido ao de terminar uma maratona.
Boa recuperação
E são mesmo essas as palavras certas: "Ajudar, incentivar e apoiar o outro é um ato de uma riqueza e elevação tal... Quase parecido ao de terminar uma maratona"
EliminarObrigada minha linda *
Miúda, é assim, espero que saibas o que te anda a provocar a dor que te provocou a paragem para a resolveres e recuperares.
ResponderEliminarNinguém gosta de desistir, mas eu desisti antes de ir ao Porto.
Enquanto tu estavas em forma eu não cheguei lá, portanto, quem fez me**a?~
Acertar novos desafios (e sim, correr o que te apetecer e apenas se te apetecer também é um desafio) e a próxima (como as anteriores) vão correr melhor.
Boa recuperação,
Está a ser tratado, para já parece estar estabilizado :)
EliminarA frustração foi vivida com a mesma intensidade que a expectativa criada. Mas a próximas vão correr(-nos) melhor, vais ver :)
Emocionei-me com o teu texto ... nunca desisti mas um dia irá acontecer ... sabes o que te digo, no teu caso foi azar, é lamber as feridas e como te disse o outro "there is always a next one" ... força ... beijinhos
ResponderEliminarMuito obrigada pela força :)
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